A igreja da minha infância e início da juventude
O belo templo em estilo gótico da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil em Pelotas, RS, de proporções grandiosas para a época, foi dedicado no dia 17 de outubro de 1909, embora a igreja já estivesse estabelecida na cidade desde 1892, sendo o seu primeiro pároco o americano reverendo John Gaw Meem. No ano de 1956, o filho de John Gaw Meem, com sua esposa e filha vieram dos Estados Unidos visitar a igreja, ocasião da qual me recordo muito bem.
Uma característica marcante do templo é a chamada hera (na verdade, "videira americana... selvagem", classificacão botânica correta) que cobre as paredes externas e a torre, dando um colorido variado que vai do verde ao cinza, passando pelo vermelho e o roxo, de acordo com a estação do ano, bem mais definidas do sul. Em 1989 foi instalada como Catedral a até então Igreja do Redentor.
O ministério do Reverendo José Del Nero (1912-1970) - casado com a americana D. Elizabeth, e que tinham duas filhas, Marcelina e Agnes - por ter abrangido a década de 50, é o de que mais me lembro. Hoje leio em um livro sobre a igreja que Del Nero era "um teólogo, missionário, ecumênico, contestador e um tanto polêmico". Criança e depois adolescente, eu não percebia essas características no pároco de quem meu pai muito gostava e a quem admirava. De alguma forma eu também gostava dele. Apesar de ser um homem sério, sempre me dirigia uma palavra, dando-me a forte impressão de que gostava de mim. Hoje, lendo sobre seu ministério, penso se não herdei algumas de suas características... De uma coisa me recordo: eu não me limitava a assistir ao culto matutino, ocasião em que minha família, pais e 5 filhos, ocupava praticamente um banco da igreja, mas era o filho que muitas vezes acompanhava meu pai ao culto vespertino. Éramos então os dois no nosso Austin A-40, chegando bem cedo para ouvir o Rev. Del Nero tocar no órgão elétrico Hammond músicas de Johann Sebastian Bach, de quem era intérprete excelente, como que dando um recital e assim atraindo pessoas da igreja ou não ao culto que viria a seguir.
Certa vez visitou nossa família um simpático reverendo que chegara à cidade para também trabalhar na obra do Senhor, Reverendo Albino Winkler, casado com D. Georgeta, e que se faziam acompanhar de seus filhos, Eliezer e Edna. Naquela visita fiz amizade com Eliezer, amizade que perdura até hoje. Na década de 60 este meu amigo casou-se com Adiles, uma prima em terceiro grau, filha também de fiéis membros da igreja, Franciso de Paula e Ruth Barum Macedo, ela prima em primeiro-grau de meu pai, um casal saudoso que irradiava a luz de Jesus em suas vidas.
Embora no ano de 1962 tenha ingressado no Exército de Salvação, sempre mantive boas relações com a igreja da minha infância e início da minha juventude, visitando-a praticamente a cada vez que ia em férias a minha cidade natal. Quando completei 50 anos, visitei-a e fotografei o livro de batismos na página onde meu nome estava registrado. Embora tivesse nascido em outubro de 1943, fui batizado no dia do aniversário de minha irmã mais velha, em 13 de fevereiro do ano seguinte. Norma, como se chama, conheceu seu esposo, o saudoso cunhado Adroaldo Nebel, nas atividades da igreja, e de toda a família é quem permanece até hoje como membro, idem sua filha Luciana, a quem com minha outra irmã, Neiva, levei à pia batismal da igreja.
Na mesma ocasião em que fotografei o livro de batismos, na vestiaria da igreja, fotografei também um vitral do mesmo lugar (abaixo), com o significativo versículo de Provérbios 8:17, em versão antiga: "Os que de madrugada me buscam me acharão". Associei-o naquele momento ao inciar de nossa vida (a madrugada), quando pelos nossos pais fomos encaminhados à fé.
Os textos abaixo, em itálico, foram extraídos do livro de meditações "Edificação Diária", que Deus me deu a oportunidade de escrever. Em algumas meditações a igreja é mencionada.
Comecei a cantar no coral - regido por D. Eunice Lamego, sua fundadora, e tendo como organista D. Eloísa Duval da Silva, ambas de saudosa memória - no ano de 1959, quase no seu início.
Recordo-me das noites frias do sul quando nos reuníamos para ensaiar no templo iluminado somente na galeria. Algum tempo depois, no templo totalmente iluminado disfarçávamos a nossa insegurança ao apresentarmo-nos publicamente pela primeira vez. Pouco a pouco o nosso repertório foi sendo acrescido de consagrados hinos evangélicos, de "negro spirituals", de cantochões do século IV, cantados a capela ou com o acompanhamento do órgão. O número dos componentes aumentou. Éramos então citados no jornal local por um músico eminente que muito apreciara a nossa primeira apresentação. As audições especiais de Natal eram sempre um acontecimento marcante, acentuado pela beleza do grande pinheiro enfeitado. Ainda que daquele coral só restem lembranças e nenhuma gravação, penso que todo o louvor que subiu até o santo trono de Deus está, de alguma forma, arquivado cuidadosamente por Ele. Então, um dia, quando estivermos novamente juntos, na glória do céu, faremos parte do grande coral de vozes celestiais, de acordo com um hino que fazia parte de nosso repertório natalino: "... E quando enfim reinar a paz dos salvos pelo amor, o coro imenso então será e santo o seu louvor".
O hinário evangélico mais antigo do Brasil, o "Salmos e Hinos", era o usado pela igreja na década de 50 e nas anteriores. Na foto acima, pode-se ler, junto com a assinatura de meu saudoso pai, a data de 3 de setembro de 1933, quando tinha 20 anos. Assim, por muitos anos meu pai o abriu para louvar a Deus com sua forte voz. Hoje, examinando o hinário, percebo que, devido ao uso contínuo, seu dedo ficou como que impresso na parte inferior, onde é comum segurar-se um hinário aberto. As páginas do papel de boa qualidade hoje estão amareladas, mas as marcas ainda assim estão nítidas, como que atestando o valor daqueles hinos também à fé e à vida de meu pai. A propósito de marcas, impressões, influências, exemplos, alguém assim se expressou: "Palavras emocionam, exemplos arrastam". Que como pais possamos deixar marcas da nossa influência espiritual nos nossos familiares, arrastando-os não compulsoriamente porém espontânea e de todo o coração a Deus. Então, quando o verde do verão se tornar avermelhado pelo outono da vida, lembrando as diversas colorações da hera que reveste a igreja, o Senhor continuará a ser o "Castelo forte" - hino da Reforma que muito cantávamos na década de 50 - como foi aos nossos pais terrenos, é o nosso e o será de nossos descendentes.
O grande coral do Congresso, dirigido pelo Rev. Jaci Corrêa Maraschin.
Muitas mulheres episcopalianas são muito ativas nas atividades da igreja. Minhas primas Adiles e Marília - esta última que partiu em anos recentes para estar com o Senhor, sendo "transferida da igreja militante para a igreja triunfante", lindas palavras as quais me falou e que gravei na mente - foram atuantes na preparação da Festa das Flores, que tem trazido centenas de visitantes ao templo. Adiles continua liderando o grupo de mulheres nesse evento.
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Minha querida, bondosa e saudosa mãe, que tinha o nome escandinavo Ida, participava ativamente dos chás promovidos a cada mês pela então Sociedade Auxiliadora de Senhoras.
Como esquecer os tradicionais chás daquele grupo? Alguns rapazes cujas mães estavam envolvidas naquela atividade, entrávamos "de penetra" geralmente no final da festa com tempo de ainda saborear doces e salgados e de conferir se certas mocinhas estariam presentes... E na lembrança que mais e mais se distancia, muitas mulheres bem trajadas e, no ar, uma mistura de vozes altas, entusiasmadas e cheiros de doce, chá e perfume. E os resultados financeiros desses bazares eram na maioria das vezes revertidos em prol do Orfanato Reverendo Severo, da igreja. Meus quatro irmãos estudaram no Colégio Santa Margarida, pertencente também à igreja, no tempo em que o dia escolar se iniciava com um culto no salão nobre.
Em 1986, passando pela Quinta Avenida em New York, quando morávamos em New Jersey, não pude deixar de fotografar a Igreja Episcopal de St. Thomas, fundada em 1823 e desde 1913 no local da foto. Entrei, fiz minha oração, admirei seus lindos vitrais e comprei um postal de seu imponente altar.
Por ocasião de minha primeira viagem à Europa, em 1973, fiquei altamente satisfeito no dia em que o programa do curso de oficiais salvacionistas a que assistia assinalava uma turnê à cidade de Canterbury (Cantuária), com visita ao interior da famosa Catedral, berço do Anglicanismo. E em 1999, ano em que fomos tranferidos para a Finlândia, tive satisfação semelhante em fazer parte do grupo que representava o Exército de Salvação durante a visita do então Arcebispo de Cantuária, Primaz da Igreja Anglicana, Dom George Carey, à Igreja Anglicana de São Paulo, no bairro de Santo Amaro.
E enfim, ao recordar-me de tantas pessoas maravilhosas que já partiram desta vida e que foram ligadas ao nosso passado, a saudade infiltra-se no coração e temos que cuidá-la para não se tranformar em tristeza. A "igreja da hera verde", no entanto, nos fala de esperança, também da esperança da vida eterna prometida por Jesus Cristo. Nessa mesma linha de pensamento, incluo aqui a ilustração que Dom George Carey inseriu em seu entusiático sermão naquele dia:
Preocupado com tantas mortes que vinham ocorrendo entre os membros de sua igreja, certo pastor encontrou dificuldade em visitar principalmente uma das mulheres mais fiéis de sua congregação que se encontrava com uma doenca terminal. Percebendo o seu embaraço, a mulher exclamou: "Reverendo, por que todo este constrangimento? Eu estou apenas morrendo!"
E no mesmo exemplar do jornal em que era editor ao deixar o Brasil - onde publiquei a foto e ilustração acima - dou com os olhos neste momento em um curto poema impresso na mesma página, oportuno para o término desta postagem que, confesso, me deu tanto satisfação quanto emoção, tanto inspiração quanto transpiração:
Eu quero viver nesse consolo, nessa paz que exclui o choro, nos braços de Jesus.
Eu quero viver em sã consciência, do Senhor na dependência, ser santo por Jesus.
Eu quero viver nessa esfera, nessa luz, nessa espera da volta de Jesus.
Nota - Ainda que meu pai tivesse sido um anglicano, suas raízes vêm da Alemanha, de uma cidade próxima a Eisleben (Lutherstadt), onde nasceu e morreu Lutero, portanto descendemos de luteranos, dos primeiros alemães que vieram para o Brasil (São Leopoldo-RS), em 1825, e que estabeleceram a Igreja Luterana em nosso país. Leia a respeito e veja também um fac-símile da partitura original do hino aqui mencionado, "Castelo Forte" (Ein Feste Burg), o Hino da Reforma, escrita por Lutero, no tópico "Minhas Raízes nas Cidades de Lutero", postado em julho 2006, conforme o índice, ou clicando o link abaixo:
http://paulofranke.blogspot.com/2006/07/minhas-razes-i.html
8 Comments:
Paulo Franke, linda a história de sua vida com sua família aqui em Pelotas/RS, li e fiquei emocionada !Lindas também as fotos da Igreja! Parabéns! Um abraço da amiga Vitória.
Pelotas, 12 de dezembro de 2007.
By Anônimo, at quarta-feira, dezembro 12, 2007 4:44:00 PM
Paulo, como dizem "recordar é viver". Através do que escreveste, pude rememorar o passado e nossa infância e adolescência como membros da Igreja Episcopal, passado tão bom que não volta mais, mas como diz o Apóstolo Paulo "prossigo para o alvo, pelo premio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus". Então, Maranata, ora vem Senhor Jesus, porque isto aqui embaixo está ficando chato e o melhor ainda está por vir!
By Anônimo, at quinta-feira, dezembro 13, 2007 11:38:00 AM
Franke, Feliz daquele que tem tão boas recordações de sua juventude!
Edna
By Anônimo, at sexta-feira, dezembro 14, 2007 7:54:00 PM
"sem memória, não se tem a história" Pr. Paulo Franke, como aprendi a lhe chamar com muito respeito e por merecimento, parabéns pelas lindas e memoráveis lembranças de sua vida escrita e compartilhada a todos nós que somos seus leitores.
By Joel e Marta Silveira, at domingo, outubro 24, 2010 12:53:00 AM
Recentemente estive visitando a nossa "terra natal" visitei a biblioteca pública, que por sinal foi toda restaurada, estive observando outros casarões lindos que nos lembram tempos idos do século XVII, como as contruções em volta da Praça Coronel Pedro Osório, centro da cidade de Pelotas-RS; e é claro que lembrei muito do amigo.
Pelotas, sua história, seus casarões, suas tradições, seus doces, o calçadão e é claro o cafezinho no "café aquários".
Como não ter saudade? Creio que aos 44 estou descobrindo meu lado nostálgico, mas...somos chamados para "IR" e não voltar a trás.
Grande abraço Pr. Paulo Franke, extensivo a toda sua querida e amada família.
By Joel e Marta Silveira, at domingo, outubro 24, 2010 1:03:00 AM
OS COMENTÁTIOS DELETADOS DIZEM RESPEITO A PROPAGANDAS INDEVIDAS QUE FIRMAS AMERICANAS INSEREM EM BLOGS. SERÄO DELETADAS NOVAMENTE SE PORVENTURA VOLTAREM A POSTAR.
O administrador do blog.
By paulofranke, at quinta-feira, maio 09, 2013 2:10:00 PM
Minha irmã, que faleceu em agosto de 2013, teve seu funeral por pastores do Exército de Salvacão e da Assembleia de Deus. Minha afilhada, também citada na postagem, não pertence mais à Episcopal. Razões há, lamentavelmente.
Paulo Franke
By paulofranke, at segunda-feira, abril 21, 2014 9:47:00 PM
Que história linda e emocionante! Deus o abençoe!!!
By Reverendo Reinaldo de Souza, at domingo, dezembro 15, 2024 3:16:00 AM
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