Paulo Franke

18 julho, 2014

2. "Curtindo" lembranças do CURTUME JULIO HADLER S/A.

Na continuação da postagem sobre o Curtume Julio Hadler, penso em uma publicação light, se bem que pesa a saudade daqueles que fizeram parte daquela firma e há muito tempo não estão mais conosco, principalmente os parentes Frankes (conto 6 que lá trabalharam, incluindo-me neste número). Meu querido e saudoso pai faleceu aos 63 anos, em 1977.
Como mencionei no post anterior, vou acionar a minha memória para identificar alguns funcionários que lá trabalharam. Embora as fotos do cinquentenário sejam do ano de 1945, e eu comecei a trabalhar na firma em 1959, posso reconhecer muitos que faziam parte do quadro de funcionários no final dos anos 50 e início dos anos 60.



Sentados, na primeira fila, os que reconheço: Ceci Almeida, Maria Hendges, Ernesto Kock, Darcy Franke (meu pai, diretor-adjunto), Hugo Reguly (diretor), Germano Franke (meu avô), Pedro Centeno, Nario Barboza, Luiz Balbinotti, Carlos Franke (tio-avô). Na segunda fila: Oswaldo Fleischmann, Celso Lopes, Luiz, Rudolf Gehrs. Na terceira fila: Felipe, Gregório Teixeira. Na quarta fila reconheço somente o vigia noturno Belarmino e provavelmente o Dorvalino Quincoses.


O grupo de convidados para a comemoração, diante da placa que foi descerrada. Omitindo os já citados, com exceção de meu avô, bem na frente; um pouco à direita, minha avó, junto com minha mãe e irmã na época com três anos; tio-avô Arthur Ávila - meu pai e seu irmão mais novo aparecem no meio e bem atrás; meu tio-avô Carlos à esquerda, perto do Sr. Bamann. Com menos de dois anos, certamente eu fiquei em casa sendo cuidado por alguma tia.

Outros funcionários cujos nomes me vêm à mente: Rosa Balbinotti, Arnaldo Hendges, Pedro Brito e irmãos Hartwig. 


 Quase se esfacelando, guardo este calendário do Curtume, embora não consiga precisar a data. Firma de "origem alemã", a paisagem foi escolhida de acordo. Hoje, tais paisagens me são bem familiares no inverno finlandês.


Fazer piqueniques era algo corriqueiro na família. Aqui, meus avós e meus pais e outros familiares no lugar denominado Monte Bonito, em foto de 1937, quando meus pais tinham somente um ano de casados. Minha mãe sempre nos contava que em um desses piqueniques na área rural da cidade o único carro que os transportava quebrou. Meu avô e meu pai voltaram a pé para a cidade naquele domingo a fim de não faltarem ao trabalho no curtume na segunda-feira cedo. Ainda que as solas de seus sapatos tivessem ficado destruídas, o senso de dever era prioridade.


Década de 30, meus pais acima nos primeiros anos de seu casamento, com os demais filhos de meus avós Germano e Alayde Barcellos Franke, na festa de suas bodas de prata. Meu avô, que nunca dispensou a compra de um bom carro e de viver em uma boa casa, exercia no curtume a função de capataz, um tipo de encarregado da equipe de curtição.

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Ainda que a palavra tenha virado gíria, não cabe o "curtindo" do título desta postagem neste momento... Meu avô, Germano Luiz Franke, faleceu de repente no dia 8 de fevereiro de 1950. Um tio enviou-me o convite para seu enterro. Com apenas 7 anos, lembro-me de que meu pai começava suas férias anuais e levou nossa família para acampar na praia do Laranjal, que banha Pelotas. Ainda armando as barracas, chegou um portador da cidade dando-nos a notícia, o que fez com que desarmasse as barracas, juntássemos tudo e voltássemos para a cidade.



O Curtume Julio Hadler S/A. participou do convite no jornal local (última parte). Algo que considero triste é ler o nome de sua mãe, nossa bisavó Adolphina Franke, no convite de enterro de seu filho...

O mesmo tio que me enviou este recorte contou-me, para fins desta postagem, a causa da morte de meu avô:

"O que mais vem na lembrança é a ocasião quando, junto com papai jantávamos em um dia de temporal e, ao olhar pela janela da cozinha, nos surpreendemos com a ausência da imagem da chaminé do curtume e para lá seguimos tristemente para constatar a alta chaminé da fábrica tombada sobre o prédio da curtição. Em decorrência deste golpe, papai sofreu um AVC que lhe foi fatal."

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Gostávamos muito quando nosso pai nos convidava para ir com ele na "fábrica", o que acontecia geralmente aos domingos. Tudo parecia tão grande e aqueles imensos fulões quase assustadores. Vêm à lembrança os diversos setores que "explorávamos"... a expedição, a passagem pela sombria caldeira fumegante do Luiz Balbinotti, o almoxarifado, a vista da grande chaminé, o laboratório do Sr. Walter Nast etc.

Historiador nato, meu pai era uma "enciclopédia ambulante". Tenho a quem "puxar" no sentido de gostar de inteirar-me com assuntos da Segunda Guerra Mundial (talvez porque tenha nascido em 1943...).
Quando ingressei como funcionário do escritório do curtume, mais tarde, em 1959, com 16 anos, a "fábrica" era bem conhecida e já não entusiasmava tanto, como parte do dia-a-dia de labuta.

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Herdei de meu pai sua coleção de selos e alguns envelopes interessantes, como o abaixo, remetido para um amigo seu, funcionário do curtume, desde a Alemanha, presenteado a ele e que hoje me pertence.



A grande maioria de selos de sua coleção foram obtidos enquanto  trabalhava por anos a fio no Curtume Julio Hadler.


Este envelope da Alemanha penso ter sido enviado à firma pelo filho do diretor, o jovem Julio Carlos Reguly, quando foi estudar e se formou engenheiro químico na Alemanha. Mais tarde, dono de uma mente brilhante, voltou para o Brasil e trabalhou no curtume onde aplicou seus conhecimentos de química, tornando-se o Diretor Técnico da firma fundada por seu avô materno. 

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Das lembrancas de meu irmão, que foi quem me incentivou a escrever sobre o curtume no meu blog, há algo bem interessante que nosso pai compartilhou com ele: 
"... a visita de um oficial da marinha alemã e de seus ajudantes de ordens, talvez antes da guerra, em manobras pelos mares do sul todos uniformizados e com avental branco de viagem por cima da farda. Era a visita a uma empresa de origem alemã da região, no caso o curtume, em que ficaram uma tarde inteira mostrando a fábrica e conversando."   

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Meu pai atuou também como um diretor que viajava por muitas capitais do Brasil certamente divulgando os produtos do curtume e aceitando pedidos.


Recordo-me na infância de caminhonetes da VARIG o pegarem na porta de nossa casa para o levarem ao aeroporto local. E eu, menino, que já sonhava em viajar, o acompanhava em pensamento, imaginando se um dia eu viajaria de avião como meu felizardo pai! (...) Na foto, o interior de um Douglas DC8. 


Dessas capitais, ele enviava cartões postais para os filhos, cartões que ainda guardo com muito carinho.


Entre cartões postais dele que ficaram comigo encontram-se alguns da Alemanha, por exemplo o da esquerda, com a Leontopodium Alpinum, ou a famosa flor Edelweiss.

Certa vez contou-me que viajaria em um Super Constelation da VARIG... Pedi a ele que, por favor, filmasse o vôo, pois como cinegrafista amador filmava principalmente suas horas vagas do trabalho em passeio com um tio seu que morava no Rio de Janeiro.

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Em 1959 foi a vez de outro Franke compor o quadro de funcionários do curtume: eu, na foto com colegas do escritório, o segundo da esquerda para a direita.



Tenho a impressão de que estas duas únicas fotos que tenho de quando lá trabalhei foram do meu último dia de trabalho, antes de viajar para São Paulo para cursar o Colégio de Cadetes do Exército de Salvação. Trabalhei no escritório do curtume de meados de 1959 a início de 1964, tendo interrompido este tempo pelo serviço militar que prestei durante 9 meses em 1962.

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Minha irmã também lá trabalhou e penso ter sido até então a única mulher a trabalhar no escritório da firma. Meu irmão, que trabalhou depois de mim, tem as suas próprias recordações:


"Tenho lembranças do meu tempo de trabalho por lá, já na sociedade paulista com o diretor seu Ângelo; viajávamos eu e o cunhado Adroaldo levando couros para Novo Hamburgo, polo do sapato na época, numa Rural Willys carregada de peles, e na volta ele me deixava dirigir um pouquinho, acho que nem carteira eu tinha...


Quando trabalhei no escritório do curtume, levava documentos para a exportação para a Europa, na Alfandega de Pelotas, lá no Porto, e sei que iam para o porto de Antuérpia na Bélgica. Também que levava para Novo Hamburgo, onde eles revendiam para a indústria calçadista, a maior do Pais."

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O que meu irmão me mandou para esta postagem, documentado em um livro, é um tanto tristonho...



Anteriormente tida como uma atividade promissora, devido a facilidades, como a abundância de matérias-primas e a disponibilidade de mercados consumidores, o processamento industrial do couro, vem enfrentando graves problemas. Na cidade de Pelotas, tal realidade é nítida, pois apenas dois curtumes hoje em funcionamento, ao passo que o seu número ultrapassava em vinte nos anos 1950. A economia do couro em Pelotas nunca apresentou uma atividade consolidada e próspera, como é nos vales dos Rios Caí e dos Sinos. Com isto, ela tende a ser extinta em Pelotas, visto que sua produção vem se retraindo, com seus estabelecimentos remanescentes estando em dificuldades e encerrando suas atividades. 
(A economia do couro na produção do espaço geográfico em 
Pelotas-RS)


Na minha última vez em que visitei minha terra natal, um dia denominei de "pelos caminhos da saudade" (link abaixo) e andei por lugares familiares do passado, inclusive diante do Curtume Julio Hadler, firma que não mais existe e cujo prédio foi transformado em uma grande carcaça...
Os únicos lugares que palidamente lembravam o prédio do passado foram estes das fotos, por sinal muito deprimentes.


O relógio-cuco abaixo foi presente do diretor do curtume - Sr. Julio Reguly e de sua fina esposa Julieta Hadler Reguly - à minha agora saudosa irmã Norma quando se casou em janeiro de 1959 com Adroaldo Nebel, de grata lembrança também.  Ainda hoje, no entanto, o relógio funciona e embeleza, mas também serve como fecho para esta postagem que tocou as fibras do coração...



"Que proveito tem o trabalhador naquilo em que se afadiga? Vi o trabalho que Deus impôs aos filhos dos homens... Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem... É dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de todo o seu trabalho... " (Eclesiastes, capítulo 3).

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Obrigado, Curtume Julio Hadler S/A, pelo tempo de sua existência e por ter sido o provedor para tantas famílias do passado, incluindo a nossa!



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L i n k

http://www.paulofranke.blogspot.fi/2012/04/pelotas-rs-pelos-caminhos-da-saudade.html


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4 Comments:

  • Lembrando da letra dam música do Roberto Carlos; "Eu recordo com saudade, o tempo que passou... (velhos tempos, velhos dias), mas em nome de Jesus teremos dias muitissimo melhores na Nova Jerusalém que
    Ele foi preparar para nós.

    By Anonymous Anônimo, at sábado, dezembro 05, 2020 6:20:00 PM  

  • Eu tenho vaga lembrança de ter acompanhado o pai no curtume alguma vez... Pode ser, dindo?

    By Blogger Luciana, at sábado, dezembro 05, 2020 10:43:00 PM  

  • Belo escrito Paulo, muito íntimo mas de grande valia para todas as famílias que na época viveram e para os seus decendentes. Grande empresa pelotense, uma das maiores, se não a maior do País no ramo pois o Rio Grande do Sul, precisamente a região da campanha era a maior produtora de sua matéria prima, a pecuária.
    Interessante pesquisar mais para conhecer-mos o seu potencial nas áureas épocas.

    Um obrigado, do irmão Pedro

    By Blogger Pedro Franke, at domingo, dezembro 06, 2020 1:36:00 AM  

  • Na foto com os funcionários do Curtume, na terceira fila, atrás da primeira menina, está Vítor Ribeiro de Almeida, filho da d. Ceci e tio das minhas amigas Lenita e Lenir. Eu conheci d.Ceci no fim da década de 1970.

    By Blogger Luciana, at domingo, dezembro 06, 2020 12:57:00 PM  

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