Os velhos de minha rua
Minha rua, onde vivi parte de minha infância, adolescência... até os 21 anos, quando me mudei para São Paulo.
Não era uma rua tristonha, mas uma grande avenida com árvores altas, copadas e muito antigas. Na nossa imaginação, muito movimentada. Nela passavam o bonde amarelo, os ônibus que mais pareciam umas caixas com rodas, os carros das mais variadas marcas européias e americanas, os primeiros bem pequenos, os outros enormes, além de carroças e de quando em quando carros fúnebres puxados a cavalo, tradição naquela época na nossa cidade. Essa era a Avenida Bento Gonçalves, na cidade de Pelotas-RS, na década de 50.
Hoje, voltando àquela avenida, apesar do progresso, do vaivém de modernos carros e de novas casas substituindo algumas antigas, ela parece deserta, triste e silenciosa. Falam alto as recordações. E dentre tantas, uma das mais gratas que é a dos velhos de minha rua.
Aquelas criaturas maravilhosas, cheias de bondade e de calor humano, tinham os mais diversos sotaques - português, alemão, judeu, árabe, polonês e, naturalmente, o gaúcho - mas falavam a mesma linguagem do amor e da compreensão para as crianças. Enquanto os adultos pareciam muito ocupados, os velhos tinham tempo de sobra para nós, empregando quase sempre o nosso nome no diminutivo.
Minhas duas bisavós moravam no mesmo quarteirão (ou na mesma quadra, como dizíamos): Adelina Medeiros Salles, que chegara aos 106 anos de idade, frágil e respeitada, era o vínculo vivo com o passado da família (na foto abaixo, com seu mais novo bisneto, Fernando, na década de 50).
A outra bisavó, Adolphina Scherer Ebling Franke, mal se podia fazer entender pelo seu forte sotaque alemão. Na casa da saudosa tia-avó Lydia morava essa bisavó de olhos azuis e lá eram comuns as rodas de chimarrão, costume gaúcho absorvido pelos imigrantes. Em um canto da sala eu, de calças curtas, ouvia sem entender as conversas dos mais velhos da família. Prestava atenção, sim, ao modo ruidoso como sorviam o chimarrão, ritual que consistia em colocar mais água fervendo em um canto da cuia e passá-la adiante, de mão em mão. Ainda que nos tempos atuais o chimarrão esteja em alta, mesmo entre a juventude gaúcha, gosto do cheiro por lembrar-me da infância, mas nunca de fato apreciei o seu gosto. Recordo-me, no entanto, que, aproveitada ao máximo, a erva-mate tinha uma última utilidade na casa de minha tia-avó: servia de adubo para o jardim, com belas flores.
Hoje, ao lembrar-me de antigos momentos familiares, especialmente os da roda de chimarrão, penso na declaração bíblica escrita na antiguidade mas ainda tão atual: Toda a carne é erva, e toda a sua glória como flor da erva; seca-se a erva e caem as flores, soprando nelas o hálito do Senhor. Na verdade, todo o povo é erva; seca-se a erva e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece para sempre" (Isaías 40:6-8).
Não só os velhos desocupados de minha rua passaram, mas também a grande maioria dos adultos ocupados, mais tarde aposentados, também passou. Como a erva do chimarrão que secou e precisou ser trocada, assim sucedem-se as gerações. Quando meu saudoso pai partiu desta vida com 63 anos de idade, eu, na casa dos 30, pensei: "Meu pai atingiu uma boa idade, afinal, já era velho!" Hoje eu, com três anos a mais do que ele quando faleceu, penso: "Como meu pai morreu jovem!!" Quando conto isso em público geralmente as pessoas riem, mas de fato é assim a vida.
Amemos, respeitemos e ajudemos os idosos, quer sejam de nossa família ou não. Façamos a nossa parte para evitar que seus últimos dias sejam cheios de amargura, mas contribuamos de alguma forma para que sejam doces, cheios de fé e da presença de Deus. Quem dera as palavras do salvacionista Samuel L. Brengle, ao completar 70 anos, fossem a experiência de todos os idosos: "Ainda que a neve de 70 invernos esteja sobre a minha cabeça, o brilho do sol de 70 verões está no meu coração".
- extraído e adaptado de uma meditação do meu livro, "Edificação Diária"
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"Encontrados mortos em casa... depois de muitos anos!"
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6 Comments:
Major! Essa frase de Brengle no final do artigo foi muito tocante para mim! Obrigado!
By Anônimo, at sábado, outubro 20, 2007 3:29:00 PM
Oi, Paulo! Que texto tocante. Fiquei emocionada ao ler, pensando na minha terra, nos meus "velhos" e no mate, que faz parte da recordacoes de todos gaúchos.
Fica com Deus.
Abraco
Luciane Cesar
By Anônimo, at sábado, outubro 20, 2007 7:35:00 PM
Paulo meu querido, sempre gosto do que escreves, pena que não pudestes ficar aqui mais um tempo para que pudessemos nos ver e conversar, mas temos esse contato, né?!
Um beijo, meu primo
By Clarisse Artesanatos, at sábado, outubro 20, 2007 11:59:00 PM
OLA MAJOR ! GOSTEI MUITO DO TEXTO SOBRE OS VELHOS TAMBEM GOSTO MUITO DELES E ACHO QUE PRECISAM SER AMADOS E RESPEITADOS. VALEU!
By Anônimo, at terça-feira, novembro 06, 2007 10:25:00 PM
Oi Paulo!
Brilhante texto e muito apropriado para o momento atual que vive a humanidade com a pandemia do Corona Vírus.
Quanto a rua e a casa que morastes com tua família aqui na minha Cidade, na Bento Gonçalves; eu a conheci desde o tempo de estudante no Lar de Meninos do Exército de Salvação. Nessa época, como sabes, o teu saudoso Pai - Seu Darci nos brincava com seus filmes e após, nós que fazíamos parte da Banda do Colégio, íamos para o Centro, outra Igreja ou mesmo para o Corpo (Igreja) na Dom Pedro II. Muitas dessas vezes, até mesmo antes da gente atender os nossos compromissos, ele nos convidava para passarmos naquele "casarao" da avenida para tomar um "lanche"...
Também cresci ao lado de idosos e sempre aprendi a ama-los e respeitar e hoje com quase 74 anos de vida, sinto na pele como faz bem esse afeto...
Era isso...
Abraços!
By jmvr, at quarta-feira, abril 29, 2020 6:40:00 AM
Muito lindo. Não conhecia essa citação do Brengle
By Thierry, at sábado, junho 06, 2020 12:59:00 PM
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