Paulo Franke

18 janeiro, 2011

Como Hitler roubou o projeto do Fusca de um judeu.

Muitos leitores certamente poderão lembrar-se de quando, principalmente na década de 70, o carrinho Volkswagen (Fusca) quase tomava conta das ruas e estradas brasileiras.




A foto atesta isso, uma vez que podem ser vistos aos "montões" na avenida que passa diante do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Em 1953 a Volkswagen fundou a sua filial no Brasil, em São Bernardo do Campo-SP. Em 1996 a empresa deixou de produzir o carro.



1950: modelo Standard, apenas 50 unidades trazidas para o Brasil. Sem frisos ou cromados, essa versão é virtualmente idêntica aos modelos que ficaram prontos em 1938 (Google). Lembro-me no entanto de ver esse modelo chamado "besouro" rodar pelas ruas de minha infância no Rio Grande do Sul.

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Em 1973 fui pela primeira vez à Alemanha, visitando precisamente a cidade de Hamburgo. Na foto estou com uma amiga que pertencia ao Corpo do Bosque da Saúde do Exército de Salvação em São Paulo e que fora morar na Alemanha. Ao nosso lado, um Fusca "nativo". Em 1981, fomos dirigir o Corpo do Bosque e adquirimos o primeiro carro daquela igreja, pelo que sei: um Fusquinha amarelo que muito nos ajudou no trabalho (foto).

E nas lembranças ... o do meu sogro que o dirigia com cuidado, demonstrando nítido amor ao seu Fusquinha verde. Quando se aposentou, por alguns anos ainda o dirigiu, principalmente acompanhando minha sogra ao supermercado para comprar quilos de farinha e açúcar para movimentar sua "mini-empresa" de doces e bolachas finlandesas, altamente apreciados por muitos fregueses (muitas senhoras da sociedade paulitana que paravam diante de sua casa com seus carros de luxo e seus chauffers). Quando ele nos deixou, partindo para junto de Deus, tomei o volante do Fusquinha verde na mesma tarefa de cada sábado pela manhã. Quando viemos para a Finlândia, o volante do Fusquinha passou às mãos do meu filho quando estudante universitário: conduzir a avó ao supermercado para dar continuidade à sua "mini-empresa". Hoje em São José dos Campos uma de suas filhas dirige a "Martta Fazer", uma fábrica cujos bolos são cada vez mais apreciados, crescendo em popularidade na região. Não sei o que aconteceu com o Fusquinha verde, mas sei que foi também usado nos propósitos da fábrica joeense.

Em 1971, quando eu trabalhava em Brasília, com amigos fui em férias ao Rio Grande do Sul. Como único motorista, eu dirigi 4.580km, ida e volta, da capital federal à cidade de Pelotas. E o Fusquinha nunca nos deixou "na mão", se bem que era um 0 km!

Algumas vezes dirigi à noite de Brasília a Belo Horizonte, com uma Kombi lotada de jovens. No início da viagem, barulho e canto, mas à medida que o sono chegava, um a um ia dormindo. Para "resolver o problema" de dirigir sozinho, eu abria o dispositivo no teto que ventilava o interior do veículo, e "funcionava": todos se queixavam do frio... e voltavam as conversas e o canto!

Sempre gostei dos veículos Volkswagen, até o dia quando descobri sua origem... nazista.

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Recentemente, no entanto, minha irmã enviou-me a entrevista abaixo, que me deixou satisfeito de dela tomar conhecimento. Foi extraída do Bol/Uol Notícias, a qual transcrevo abaixo, com meus agradecimentos.



MARCOS FLAMÍNIO PERES, DE SÃO PAULO:

Era feinho, desconfortável e barulhento. Tinha fama de não deixar ninguém na mão, mas, já em seus últimos suspiros no Brasil, em 1996, era carro de pobre, suburbano ou nostálgico. No entanto, o Fusca representou a maior revolução da história da indústria automobilística.

Foto: Ferdinand Porsche explica a Adolf Hitler, em seu aniversário de 49 anos, que motor do Fusca fica na traseira do carro.

A novidade, agora revelada em livro que sai no Brasil, é que sua concepção, seu design e o próprio conceito de "Volkswagen" (ou, traduzindo, carro do povo) foram criados por um engenheiro judeu - Josef Ganz - e, posteriormente, apropriados por Adolf Hitler.

A narrativa sobre aquele que se tornaria o automóvel mais vendido do planeta está contada em "A Verdadeira História do Fusca", do jornalista holandês Paul Schilperoord. Adaptado para a produção em série por Ferdinand Porsche em 1938, o "KdF-Wagen" (era esse seu batismo de fábrica) se tornaria, juntamente com as auto-estradas ("Autobahns"), um dos maiores orgulhos do regime nazista (1933-45).

Apaixonado pelo carro "desde criança", Schilperoord explica na entrevista a seguir como Ganz criou o conceito de carro pequeno, seguro, econômico e barato ("deveria custar o mesmo que uma motocicleta").

Mas também lamenta que Ferdinand Porsche tenha se imortalizado como o inventor do Fusca, enquanto Josef Ganz, perseguido pela Gestapo (a polícia secreta), tenha caído no esquecimento.

Folha - Qual a importância do Maikäfer, o primeiro protótipo de carro pequeno desenvolvido por Ganz, para a indústria automobilística?

Paul Schilperoord - Com esse projeto, de 1931, e o anterior (o Ardie-Ganz, de 1930), demonstrou ser possível construir um carro leve, pequeno e com estabilidade e dirigibilidade excelentes. Antes dele, a maior parte dos engenheiros acreditava que um carro precisaria ser grande e pesado para apresentar boa estabilidade. O Maikäfer também dispunha de suspensão totalmente independente, coisa de que nenhum carro dispunha até então, nem mesmo os maiores e mais luxuosos - baixo centro de gravidade, linhas curvas etc. Ganz iniciou uma revolução no design automotivo ao dar início a um novo modo de pensar carros - e o mais famoso a emergir desse novo conceito foi o Fusca.

É possível afirmar com absoluta certeza que Ferdinand Porsche tomou de Josef Ganz os créditos pela invenção do Fusca?

Sim. Porsche foi creditado como o designer do Fusca, mas o conceito do carro vem inteiramente de Ganz. Até os nomes Volkswagen e Fusca foi ele quem inventou! Em minha opinião, Josef Ganz deveria ser creditado pelo conceito de "carro do povo", por ter construído os primeiros protótipos e também por haver promovido essas novas ideias, ao longo de vários anos, na revista que dirigia, a "Motor Kritik". Já Porsche deveria ser creditado por liderar a equipe de designers que desenvolveu o Volkswagen Fusca para a linha de produção.

Ferdinand Porsche poderia ter construído um Volkswagen sozinho, sem as ideias e os projetos de Ganz?

Porsche era sem dúvida um excelente engenheiro, capaz de desenvolver carros muito bons. Mas era, antes de tudo, um homem de carros esportivos e de corrida. Sem Ganz para criar seu design, construir e promover os primeiros protótipos, Porsche nunca teria se envolvido no projeto.

Qual foi a reação de Ganz ao ver o Fusca de Porsche?

Ficou contente, mas ele era da opinião de que aquele era basicamente seu projeto, embora Porsche o tivesse adaptado para a produção em massa. Disse que, sem Hitler, o Maikäfer provavelmente nunca teria sido produzido em escala tão grande.

Tanto Hitler quanto Ganz eram fascinados pelo desenvolvimento tecnológico?

Sim. Hitler sempre foi um entusiasta de carros grandes e sempre se mostrou muito favorável ao desenvolvimento de carros modernos e de autoestradas.Também estimulou muito a criação de carros de corrida e subsidiou com milhões de marcos o sindicato das montadoras e a Mercedes-Benz.

Como a montadora Volkswagen reagiu quando veio à tona a história de Ganz? Ela propôs algum tipo de reparação a seus parentes?

Entrei em contato com a companhia, que se mostrou interessada em minha pesquisa. Mas seus dirigentes estavam muito céticos. Disseram que havia muitas pessoas projetando carros pequenos nos anos 1930 e que Ganz era apenas um deles. Ganz chegou a receber algum dinheiro do governo alemão após a Segunda Guerra, mas acho difícil que seus parentes consigam algum tipo de reparação. O mais importante é que o governo o reconheça como o inventor do Fusca.

O Fusca ainda tem um papel a exercer no design contemporâneo? Que carros atuais são influenciados por ele?

O conceito de carro pequeno com boa estabilidade nunca irá morrer. E as pessoas ainda adoram o formato do Fusca - claro que foi essa a razão por que a Volkswagen criou o New Beetle!Automóveis com motor traseiro quase desapareceram, mas, aos poucos, estão retornando. É o caso, por exemplo, do Nano, que é muito parecido com o conceito de Ganz - e também por ser pequeno e barato [ele é anunciado pela montadora indiana Tata como "o carro mais barato do mundo"].

O que pensa do "New Beetle"?

Acho o conceito do primeiro Fusca melhor, antes de ter sido adaptado para a produção em massa.

Haverá uma nova Detroit [capital histórica da indústria automobilística dos EUA]?

Duvido, pois, com a globalização, as plantas industriais estão sempre se mudando para diferentes lugares, dependendo da combinação de custo da mão de obra, facilidade de produção e mercado consumidor.

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO FUSCA
AUTOR Paul Schilperoord
TRADUÇÃO Juliana Moura Bueno
EDITORA Alaúde
QUANTO R$ 49,90 (344 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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Dirigi por mais tempo (e quanto!!) a Kombi, em diversos locais onde trabalhei no Exército de Salvação no Brasil, transportando pessoas, carregando mantimentos etc. Até uma Pick-up velha dirigi por um tempo, buscando doações e atravessando a sofisticada Av. Paulista com ela abarrotada (até com geladeiras cujo "único probleminha" era o motor pifado... Com a mesma Pick-up velha viajei de São Paulo a Joinville para buscar um pesado piano! Com uma Kombi levava mães solteiras à maternidade em qualquer hora do dia e da noite na instituição do gênero que dirigimos em São Paulo. Nas montanhas do sul de Minas Gerais ela nos foi muito útil, no orfanato que administramos, e minha esposa gostou de dirigi-la (embora tenha acontecido de no início mandar-me chamar por não conseguir dirigir em grandes subidas!) Em Lisboa dirigi um modelo europeu, bem mais potente e com a porta lateral inteiriça que funcionava quase como uma "guilhotina", modelo que anos mais tarde chegou ao Brasil.
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A foto mostra a primeira vez que fiz uma viagem em uma Kombi, de São Paulo ao Rio de Janeiro, em 1964. Eu não era o motorista, mas sim um dos ocupantes do veículo do Colégio de Cadetes, muito usado durante os nossos dois anos de treinamente como cadetes (seminaristas). Nesta postagem também a homenageio, por ter feito parte do meu ministério como oficial do Exército de Salvação por muitas décadas!

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9 Comments:

  • Muito boa matéria, já tive sim três fusquinhas, um amarelo, um bordô de segunda, e depois, um "FAFÁ DE BELÉM, OK" lembra? (grandes faróis ... rsssss)
    Bons tempos! Realmente, nunca me deixaram na mão ... que saudades!
    Parabéns pela postagem
    aBRaços
    Yara Mattos

    By Blogger Yara, at quarta-feira, janeiro 19, 2011 9:27:00 PM  

  • Beleza de matéria, assim como o Fusca... esse não tem idade prá quem é aficcionado e teve uma história com ele (acho quase todos brasileiros rsrs) Também tive o meu amarelinho como primeiro carro lá no meu querido Rio de Janeiro. Quanta saudade !!!
    abço Paulo !
    Cláudio Humberto

    By Anonymous Anônimo, at quinta-feira, janeiro 20, 2011 12:32:00 AM  

  • Ícones do Exército de Salvação:
    1º) A Bandeira "Sangue e Fogo";
    2º) O uniforme;
    3º) A kombi com alto-falantes convocando para reuniões.
    Grande Abraço

    By Blogger saulo, at quinta-feira, janeiro 20, 2011 8:38:00 PM  

  • Paulo, é interesante relembrar a era do Volkswagen. Olhando as fotos, eu tive meu primeiro carro como a segunda foto; da janela atrás dividida. Foi ca. em 1967. Era preto e com ele viajei em toda a Alemanha, França, Suiça e Austria em Deputationwork, visitando Igrejas com uma amiga missionária que foi para a Indonésia e eu para o Brasil. Por semanas a fio ai o Fusca se tornou o nosso lar.
    Nos Lares no E.S. sempre tivemos Fuscas e Kombis e tive minhas experiências, que dariam muitas histórias.
    Meu abraço, Edith

    By Blogger paulofranke, at sexta-feira, janeiro 21, 2011 7:05:00 AM  

  • Nossa amigo, quanto tempo!!! ainda lembro do primeiro carro de meu pai...um Fusca comprado em consorcio e o ultimo a ser sorteado. Nossa ,que festa!!! Valeu cada dia esperado, cada atolamento e viagens que fizemos com ele. Carro fantástico. Forte e jeitoso, sempre funcionando fosse em que terreno andasse!
    História muito interessante, mas acho que seria melhor ter ajudado ao Sr.Ganz a receber sua indenização logo depois do termino da Guerra e participação em cada carro vendido! Mas...Nem tudo é como queremos ou achamos certo ser...infelizmente.
    Mais uma vez amigo, parabéns!
    Estou semrpe descobrindo fatos novos com seu Blog....muito bom!
    aBRaços!

    By Blogger Maria Thereza Freire, at sábado, janeiro 22, 2011 9:53:00 PM  

  • Ricardo שמואל:

    adorei o blog e a história do fusca...

    By Blogger paulofranke, at segunda-feira, janeiro 24, 2011 8:01:00 AM  

  • קלאודיו:
    Dei uma lida no assunto. Desconhecia essa trama! Mas, não é de se estranhar, pois pra quem falsifica obras de artes, omitir o autentico autor da criação de um tipo de carro só por ser judeu era fixinha, né!

    Lehitra'ot! T +

    By Blogger paulofranke, at sábado, janeiro 29, 2011 7:42:00 PM  

  • Interessante essa história do Fusca, haha.
    Muito legal a postagem...
    Abraço

    By Blogger João Guilherme, at domingo, janeiro 30, 2011 7:22:00 PM  

  • Amei a a reportagem, eu amo o fusca hoje é uma relíquia na minha garagem! Mas está inteiro e sai para passear e chamar a atenção por onde anda!

    By Anonymous Anônimo, at quinta-feira, dezembro 22, 2022 6:56:00 PM  

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