Paulo Franke

21 setembro, 2010

3 - O que restou do GUETO de Varsóvia (1a parte)

Conhecer Varsóvia, assistir a um recital de Chopin e peregrinar pelos caminhos do Holocausto foram os principais motivos que me levaram à Polônia.


Uma de minhas curiosidades era conhecer o que ainda restava do Gueto de Varsóvia, do qual há muito tomara conhecimento, com mais detalhes históricos através do livro do notável autor Leon Uris, que recomendo aos meus leitores (best-seller imperdível ligado à Segunda Guerra Mundial, editado repetidas vezes e que poderá ser encontrado nas principais livrarias brasileiras e portuguesas).





Com a pujança de seu estilo epopéico, Leon Uris nos leva aos subterrâneos do Gueto de Varsóvia, onde explode, heróica, a resistência dos judeus poloneses às tropas de Hitler. São páginas de horror, são páginas de heroísmo. Horror diante do paradoxo de ver tão poucos resistirem a tantos... Heroísmo absurdo, impossível, que atinge o inatingível... Um hino à coragem e dignidade humanas.


Sem ter uma pista de como e onde começar essa peregrinação, pensei em unir-me a uma turnê se o preço fosse acessível (ainda em casa, ao procurar na Internet, porém, descartara a idéia pelo preço além de minha possíbilidade). Ao informar-me na recepção do albergue (hostel) onde me hospedava, a moça rápida e simplesmente passou-me às mãos o folheto acima, Varsóvia Judaica. "E onde fica o Gueto de Varsóvia?", perguntei-lhe. "A um quarteirão à esquerda, saindo do albergue!", respondeu-me. "Tão perto!" exclamei animado, sem imaginar as longas caminhadas que me aguardavam.


(A seta indica onde situa-se o albergue.) Outra surpresa foi saber que o Gueto ficava no centro da cidade de Varsóvia, mesmo naquele tempo. Antes da Segunda Guerra, 30% da população de Varsóvia era judaica, sendo a segunda comunidade na Europa. Pelo mapa pude ver a demarcação de onde se localizava o Gueto, inclusive com pontos numerados, de 1 a 26, indicando lugares originais remanescentes, monumentos ou locais exatos onde aconteceram episódios dramáticos ligados ao cruel confinamento de 450.000 judeus de Varsóvia e de cidades vizinhas em um gueto, construído em novembro de 1940, em uma área de somente 1km quadrado.




A foto deste moderníssimo edifício não está fora de lugar nesta postagem! Assim como outros mostrados na primeira postagem, está localizado exatamente "dentro do Gueto", isto é, no local onde foi o Gueto.

E de vez em quando na longa caminhada encontrava indicações de onde exatamente passava o muro do Gueto.



Em 19 de abril de 1943 começou o levante do Gueto de Varsóvia, narrado por Leon Uris. No mesmo ano, seis meses após, nascia o autor deste blog...




O primeiro lugar visitado, na Rua (Ulica) Sienna...



... onde pode ser visto parte do muro original, de 3 metros de altura. Fica no pátio de uma escola, praticamente não aberto à visitação, mas entrei no portão junto com estudantes que concordaram em fotografar-me (na minha mão, o mapa ainda intacto, para no final da longa caminhada, que durou praticamente dois dias, ficar amarrotado pelo constante uso).


Em bronze o centro de Varsóvia e em relevo o Gueto, que a medida que os nazistas iam esvaziando, enviando milhares de judeus para os campos de extermínio, diminuía também em sua área.



O mapa indicava o número próximo, onde haveria possibilidade de ver mais uma parte do muro, na Rua Zlota 62, simplesmente à entrada de um bloco residencial.



Demorei-me um pouco mais nesse lugar, fotografando-o ...

... e refletindo no drama das pessoas, das famílias, confinadas por detrás daqueles muros...


... minguando dia a dia a sua subsistência bem como a sua esperança de sobrevivência, o que o livro de Leon Uris descreve quase em detalhes. Para homenagear a memória dessas pessoas, minha necessidade foi não somente de ver as únicas partes que restaram do muro, mas também a de tocar naqueles tijolos que tudo testemunharam.




Em maio de 1992, o então Presidente de Israel, Chaim Herzog, visitou o lugar e homenageou os mártires com uma placa de bronze.


Outras placas homenagendo as vítimas, do Museu do Holocausto Yad-Vashem, em Jerusalém, e outra, visível na foto, do Museu em Houston.




Rua Mila... uma boa caminhada até lá!



E eu chegava a um lugar-chave no contexto de toda a tragédia dos judeus poloneses...



Exatamente aqui ficava a célebre Mila 18, o prédio em cujo porão instalaram o bunker ocupado pelo comando da Resistência Judaica. Depois da guerra, em 1946, este monumento foi formado das ruínas do prédio e erigido um memorial com inscrição em polonês, iídiche e hebraico.





Em 8 de maio de 1943, o bunker foi descoberto pelas tropas alemãs. Muitos guerreiros da Resistência cometeram suicídio, incluindo um dos líderes do levante do Gueto, Mordecai Anielewicz.




Janusz Korczak (1878-1942) foi um médico pediatra e educador que devotou sua vida às crianças. Em 1912, assumiu a direção do Orfanato Judaico de Varsóvia. Através de sua vida, lutou pelos direitos infantis e escreveu diversos livros. Em 1940, seu orfanato foi transferido para o Gueto. Em agosto de 1942, Janusz Korczak foi mandado com suas crianças para o campo de extermínio Treblinka, onde todos pereceram.




Conhecendo sua história, e inclusive tendo fotografado a escultura de Janusz segurando uma criança e tomando a mão de outra, no Museu do Holocausto Yad-Vashem, em Jerusalém, ainda que cansado das longas caminhadas, quis visitar o seu orfanato original, seguindo o mapa e dirigindo-me para o ponto 12, fora dos muros do Gueto.



O silêncio do lugar, rompido somente pelo canto dos passarinhos, fala alto ao coração. Fiz ali uma pausa para retornar ao albergue, pois meus pés doíam muito...


Mas não me permiti queixar-me - a mim mesmo, no caso - em momento algum, lembrando-me desta foto que sempre me chamou a atenção pela semelhança do menino maior comigo quando com a sua idade... Com sua família caminharam 1km e meio ... direto ao crematório de Auschwitz-Birkenau.



Foi-lhes imposto um reino de terror, que ceifou a vida de mais de 100 mil dentro do Gueto, sem falar nos milhares que iam sendo frequentemente levados para o extermínio no campo de Treblinka; cenas como esta foram-se tornando mais e mais parte da vida do Gueto.




Outra foto que mostra a condição sub-humana do apinhado Gueto de Varsóvia, que se deteriorava mais e mais.


É conhecida esta foto patética de uma mulher marcada pelo sofrimento tentando vender braçadeiras com estrelas de Davi dentro do Gueto.


Sem comentário.


Nota: As três primeiras fotos históricas do Gueto foram extraídas do livro "The Living History Forum", adquirido no Museu do Holocausto em Estocolmo.

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Próxima postagem:

4 - O que restou do Gueto de Varsóvia - segunda parte.

Acompanhe-me na continuação desta caminhada.

11 Comments:

  • Fiquei impressionado com as fotos do que restou do Gueto de Varsovia, mas ainda atemorizado com as fotos de seres humanos forçados a viver em condições desumanas e a perecerem em meio a uma guerra e a uma ideologia sem nexo algum, mas porém feliz com o trabalho do caro e estimado paulo franke em nos revelar a realidade atual do que foi o gueto e ao mesmo tempo um passado tao cruel e tao presente, nao podemos esquecer dos massacres do judeus!!! Parabéns Paulo

    By Anonymous Anônimo, at sexta-feira, setembro 24, 2010 11:29:00 PM  

  • oi Paulo!
    sobre o gueto de vársóvia você mencionou o nome de Janusz Korczak, eu li o livro, (tinha na escola onde trabalhava) que conta a vida dele, o nome do livro é: "Quando Eu Voltar a Ser Criança" de Józef Ignacy Kraszewski. É muito bom e naturalmente triste!Parabéns, sucesso e obrigada pelas preciosas informações que nos passa sempre.

    By Blogger shan-Tinha, at sábado, setembro 25, 2010 5:44:00 AM  

  • Paulo,
    estarei acompanhando as próximas postagens com ansiedade.
    Um grande abraço e Deus continue te abençoando mais e mais.

    By Blogger Luciana, at sábado, setembro 25, 2010 6:13:00 AM  

  • É, amigo Paulo. Foi o que lhe disse uma vez, colocar a mão para sentir o que os olhos não podem acreditar! É o meu desejo em Jerusalém. Nossos olhos não estão acostumados como deles foram obrigados a acostumar, se é que isso é possível, ver o mal palpável! Parabéns pelo trabalho em nos mostrar, compartilhar, o que nossos olhos e corações não conseguem imaginar ser possível! Ver pessoas sendo subjugadas a uma vida sem vida!
    Espero que esse mal seja, um dia, reparado no coração do mundo.
    Esperarei a conclusão. Parabéns!

    By Blogger Maria Thereza Freire, at sábado, setembro 25, 2010 9:58:00 PM  

  • Ola amigo..
    Deixe-me ver se entendi. O Gueto da Varsóvia foi um lugar de 1km² construido com o objetivo de exterminar os judeuses? Que trágico.
    Imagens valem mais do que mil palavras e aqui você tem postado fotos incriveis, principalmente as antigas que nos dam uma idéia melhor da realidade, é triste.
    Parabéns, seus 2 cansativos dias nos renderam ótimas fotos/postagens.
    Abraço

    By Blogger João Guilherme, at quarta-feira, setembro 29, 2010 6:21:00 AM  

  • eu não sei o que te falar, pra mim é muito dificil. porque por mais que tente imaginar o sofrimento desses irmãos, eu sei que não chego nem perto de imaginar do sofrimento deles. e um sofrimento tão longo de anos. é triste , triste de mais...
    parabéns e muito obrigada por essa informações. tenho curiosidade e tristesa com esse acontecimento. tchau parabéns colega.

    By Blogger Claudiane Bela, at segunda-feira, junho 06, 2011 2:32:00 AM  

  • Parabens pelo Blog,bem descrito com fotos indescritiveis.Estive na Polonia (Varsovia e Cracovia) este ano e pude ver pessoalmente fragmentos e entender mais aquele periodo de horror.Tocar no muro do gueto,imaginar a bravura daqueles que resistiram aqueles seres humanos bestiais(os nazistas)mesmo com poucos recursos é uma experiencia recomendada a todos.
    Um abraço
    Flavio Eduardo msn eduardomed1979@hotmail.com

    By Blogger Flavio, at quinta-feira, dezembro 15, 2011 12:53:00 PM  

  • Belo Relato!

    By Anonymous Anônimo, at domingo, agosto 17, 2014 4:41:00 AM  

  • Que post maravilhoso! A história do Levante do Gueto de Varsóvia é linda. Lerei esse livro que você indicou.

    By Blogger Fred, at domingo, abril 16, 2017 12:07:00 PM  

  • Oi, Paulo! Sou um estudioso da II GM, e completei agora 11 anos visitando lugares da guerra na Europa Central. Venho dando palestras em Fortaleza sobre o assunto, como agora na última terça, para umas 100 pessoas, na Livraria Cultura. Em maio do próximo ano, irei com um grupo de viajantes para algumas cidades da II GM, patrocinado por uma agência de viagens. Parabéns pelo seu blog, tenho lido sempre. Tenho uma dúvida: onde fica o memorial do Dr. Janusz? onde fica aquele memorial da estação de trem que enviava os judeus para Auschwitz? Você tem esse folheto sobre a Varsóvia Judaica? Se sim, eu pagaria uma cópia e a remessa pelo correio, se você pudesse enviar. Vamos ficar em contato? Um abraço! ELEAZAR DE CASTRO RIBEIRO. (eleazardecastroribeiro@gmail.com)

    By Blogger Eleazar, at sexta-feira, agosto 25, 2017 12:04:00 AM  

  • Gostei muito do seu relato. Deve ser uma experiência de muita reflexão mesmo. Imagina, conhecer o gueto de Varsóvia... meu Deus! Vou ler esse livro q vc recomendou com certeza!

    By Blogger Mila, at quinta-feira, julho 26, 2018 8:54:00 PM  

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