Paulo Franke

24 agosto, 2007

Julho-Agosto = Júbilo e Desgosto

Em um dos nossos últimos domingos na cidade de Vaasa, senti que minha esposa Anneli enfrentava algum problema ao interpretar para o finlandês meu sermão em sueco. Como eu citava muitos versículos bíblicos, seu problema parecia folhear sua Bíblia em finlandês e encontrá-los, o que sempre fazia com facilidade. Terminado o culto, falou-me: "Preciso ir ao oculista trocar de óculos, pois eu não conseguia ler normalmente".

Enquanto isso, meu júbilo era notório com a aproximacão de minhas aguardadas férias especiais no Brasil; especiais porque tinha direito neste ano a 6 semanas. Anneli iria 2 semanas mais tarde, juntando-se a mim no mês de agosto, ao nosso filho Aaron e à sua esposa Flávia, prestes a ganhar nenê.

De Helsinki a Madri fiz escala em Frankfurt e no dia seguinte - 17.07.07 - senti júbilo no meu coracão ao abracar meu filho e sua esposa grávida, esperando-me no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Mesmo um congestionamento que fez com que levássemos 3 horas para chegar em sua casa, em um bairro perto do aeroporto de Congonhas, não me tirou a alegria de chegar (ainda que totalmente desacostumado com congestionamentos de tal extensão).

Desfiz minha mala carregada de presentes e, enquanto isso, sentimos um forte cheiro de fumaca na sala. Verificado que nada havia de anormal, tudo de que eu precisava agora era de uma boa soneca para repor minhas forcas e ajustar-me ao horário brasileiro de 6 horas a menos do que na Finlândia. E quando encostei minha cabeca ao travesseiro, meu filho chamou-me para ver o que a TV anunciava em edicão extraordinária: o acidente com o Airbus da TAM. E da janela vimos o clarão e deduzimos de imediato de onde vinha o forte cheiro de fumaca. Ficamos horas assistindo, impressionados, aos dramáticos noticiários daquele que estava sendo o pior acidente da aviacão brasileira.

No dia seguinte, bem cedo, os nomes das vítimas eram publicados, para tristeza de meu filho que lia o nome de uma enfermeira da Santa Casa de Misericórcia de Porto Alegre com quem trabalhava quando ia a servico de seu laboratório farmacêutico. Nunca antes na vida, eu conheceria tantas pessoas que tinham alguma ligacão com as vítimas, talvez pelo fato de a maioria dos passageiros ser gaúcha. E assim aconteceu o júbilo da minha chegada e o desgosto de ouvir dos que não chegaram...

Dois dias depois, sabendo da necessidade de pessoal para a equipe de emergência do Exército de Salvacão, ao qual pertenci por muitos anos no Brasil e continuo a pertencer na Finlândia, ofereci-me como voluntário. Como o servir ao próximo sempre traz alegria, passei muitas horas nessa missão em nossa tenda no estacionamento da TAMexpress. (Leia a respeito e veja fotos no próximo tópico deste blog)

Férias são férias e no meu coracão havia um certo júbilo ao dirigir-me, poucos dias depois da tragédia, ao aeroporto de Congonhas tendo nas mãos minha passagem para Porto Alegre comprada com boa antecedência. Rever o meu chão gaúcho após 3 anos de ausência certamente me faria muito bem. Passaria uma semana com minha irmã mais velha e visitaria muitos amigos e parentes, era o meu plano. "Todos os vôos de Congonhas estão suspensos sem previsão de normalidade", ouvi no alto-falante quando estava quase no check-in. Pelo cáos aéreo que se estabaleceu no país e pelo frio intenso que fazia no sul, minha própria irmã dissuadiu-me de ir, ficando para uma outra oportunidade. Não propriamente desgosto, mas pena... principalmente ao receber a notícia do falecimento de uma tia muito querida de Porto Alegre a qual planejava tanto visitar.


Na manhã do dia 26.07.07, bem cedo, minha filha liga-me da Finlândia para dar-me a notícia de que a mãe Anneli estava com um tumor no cérebro, resultado de uma tomografia após consultas com oftalmologistas e neurologistas. Abalado com a notícia, continuei sentado no sofá, atordoado, sem palavras... Nesse meio-tempo, senti uma atmosfera diferente na casa de meu filho. Momentos antes do telefonema, rompera-se a bolsa d'água de minha nora e eles se preparavam para ir às pressas para a maternidade. Eram o desgosto e o júbilo misturados de uma forma nunca vista...

Pouco tempo depois encontrava-me na linda sala de espera da moderna maternidade em meio a
familiares radiantes de outros bebês. A vida continua com os nossos descendentes, refleti naquele momento quando, confesso, equilibrar o júbilo com o desgosto parecia-me missão impossível, cuja única forca para enfrentar não vinha de mim, mas do Senhor a Quem sirvo e a Quem orava de contínuo. Em dado momento, quatro telas de TV em uma parede da sala de espera deixaram de noticiar os jogos do PAN e mostraram o meu netinho recém-nascido, como é o costume da maternidade. Meu filho tirava todas as fotos possíveis, para logo vermos o pequeno Lukas através da janela de vidro junto a outros bebês que haviam nascido.

Muita troca de telefonemas entre a Finlândia e o Brasil, inclusive para minha querida esposa que muito se alegrou pelo nascimento do netinho que esperava tanto conhecer! A conselho dos médicos, entretanto, desistiu de viajar.

Tendo conhecido o querido netinho, resolvi voltar imediatamente para a Finlândia. "No estado de aflicão em que você está, pai, é melhor que volte mesmo para junto da mãe", concordou meu filho. E eu sabia que ao lado dela era o lugar onde deveria estar.

Consegui um lugar no vôo que sairia de São Paulo 6 dias depois. Quando recebi, no entanto, a notícia de que a operacão poderia demorar algumas semanas para ser realizada, muni-me de otimismo pensando que se assim aconteceria era porque não seria tão grave assim o estado da Anneli. E assim, no meio daquele deserto, tive dois oásis que foram visitar minha outra irmã, que mora em Lins-SP, e amigos que há muito não encontrava, em Ourinhos-SP. Grandes momentos!

O final de semana passei com meu filho, agora um pai zeloso que aprendia inclusive a trocar fraldas e dar banho no seu filhinho, tudo naturalmente documentado em vídeo.

Ao abrir pela última vez o computador na casa de meu filho. uma notícia nos abala: morrera repentinamente em Porto Alegre a mãe de meu genro Leandro, uma mulher dedicada a Deus de somente 56 anos de idade. E soube que meu genro, que mora também na Finlândia, interrompia como eu suas férias para viajar de Helsinki a Porto Alegre para confortar seu pai e seus familiares. E assim, cruzávamo-nos no meio do Atlântico em direcões opostas mas ambos com uma desgostosa missão, para as quais dependeríamos muito da forca do Senhor.

Enquanto no Brasil, assisti a pregacão em um YouTube de um pastor que tivera a impressionante visäo de corpos enrolados em sacos plásticos. Aquele pastor era uma das vítiimas do acidente aéreo...

A viagem de volta à Finlândia, após 3 semanas no Brasil, pareceu-me mais longe e cansativa do que de costume. Mas seria muito bom estar junto de minha esposa, mesmo sabendo que estava bem amparada por minhas filhas que aqui moram.

No dia anterior à operacão e à sua internacão, tivemos Anneli e eu uma entrevista com o mais hábil neurocirurgião que encontraram para lidar com o caso um tanto atípico, como ele próprio nos explicou: a glândula pituitária (hipófise) estava no interior de um tumor cheio de sangue que precisava ser removido urgentemente, uma vez que estava prensado entre duas artérias que levam o sangue ao cérebro. "Você pode morrer durante a cirurgia", admitiu na forma bem franca e direta que é um tanto típica dos finlandeses. Anneli aprovou com a cabeca, demonstrando que estava preparada para estar com o Senhor, mas também acrescentou que Deus o ajudaria na operacão.

Para mim era a hora de pôr em prática um pensamento conhecido há anos: "Senhor, dá-me uma fé tal que não encolha quando lavada nas águas da aflicão!"

Anneli, naturalmente abatida, mantinha sua fé em Deus e nas oracões que eram levantadas em seu favor em muitos países (inclusive por meus amigos do orkut). E um versículo-rhema seu que a acompanhava há muitos anos era agora entendido por ela: "Tu me cobrirás a cabeca no dia da batalha" (Salmos 140:7). E acrescentou: "Posso morrer, mas se viver hei de pregar e testemunhar como nunca antes".

No dia de sua internacão, eu quis chamar um taxi, mas, bem no seu estilo, preferiu caminhar. E assim, segurando meu braco, caminhamos lentamente por 1 hora e 20 minutos até o hospital naquela manhã de verão. No dia seguinte, minha filha mais velha chegara da cidade próxima onde vivem para acompanhar-me enquanto a mãe estava sendo operada. Compartilhamos que ambos tivéramos uma noite de batalha espiritual, mas que pela manhã a paz nos chegara ao coracão, exatamente como diz o salmista: "Ao anoitecer pode vir o choro, mas a alegria vem pela manhã" (Salmos 30:5). Enquanto as mãos do médico estavam em acão, muitas mãos estavam em oracão... Minha outra filha prometera ajoelhar-se no exato momento do início da cirurgia; estando com sua filhinha atravessando um parque, não hesitou em ali mesmo dobrar seus joelhos pela saúde de sua mãe.

Duas horas e meia após o início da cirurgia, o médico liga para o meu celular (procedimento daqui) e conta que a operacão fora muito bem-sucedida, demonstrando entusiasmo em sua voz.
Foi o momento de o desgosto virar júbilo!!

À noite, eu ligava para a UTI para saber de seu estado. "Você não quer falar com ela?" surpreendeu-me a enfermeira de plantão. "Não morri!" falava-me a Anneli com voz naturalmente fraca mas bem audível. Na manhã seguinte fui às pressas para a porta da UTI, querendo vê-la pelo menos à distância, mas logo fico sabendo que ela já estava no quarto. Quando lá cheguei, esperava ansiosa tanto ver-me quanto a chegada do almoco, sinal evidente de que passava bem. Não sei qual o gosto de sua comida, mas no nosso coracão havia o gosto do triunfo do júbilo!



Por que conto experiência tão pessoal neste blog?

1. Porque meu blog trata de experiências marcantes de minha vida e, sem dúvida, essa foi uma delas, quando como nunca senti lado a lado o desgosto e o júbilo, prevalecendo, pela misericórdia de Deus, o júbilo!

2. Porque, quem sabe, quando o amigo leitor passar por algo semelhante, no meio do turbilhão há de lembrar-se do que leu e clamar o nome do Senhor, que nos ouve e nos livra de todas as tribulacões quando nEle depositamos a nossa fé.

3. Porque quero agradecer a todos os amigos, também do orkut, que oraram ou que enviaram votos de restabelecimento à Anneli. Oro a que esses amigos provem também, quando for necessário, os recursos da oracão e que esta leitura os relembre disso.



Confesso que no túnel humano do desgosto, a que mesmo sendo cristãos estamos sujeitos também, e por falta de um computador em minhas férias, atrasei muito em responder aos amáveis e-mails e recados cheios de consolo e amizade, entre eles o de uma amiga do orkut que não conheco pessoalmente e que assim se expressou: "As mãos de Jesus vão segurar as mãos do cirurgião durante a cirurgia!" Assim louvo ao Médico dos médicos por ter operado este milagre com a ajuda de duas hábeis enfermeiras: a Medicina e a Farmácia.



"Portas fechadas e altas montanhas,
À tua frente saída não há;
Conta com Deus, Ele faz maravilhas;
O impossível pra ti, Deus fará!"



PS: Para conhecer melhor minha esposa Anneli, leia neste blog o tópico que há alguns meses escrevi dedicado a ela: Ritva Anneli Hämäläinen Franke.